Citado por Alda Pereira em Paradigmas na Investigação em Ciências Sociais e em Educação, Neuman define paradigma como o quadro geral que determina a teoria e a investigação, as assunções principais, os modelos de investigação, os métodos e as técnicas. Ou seja, o paradigma é o fio condutor de uma investigação, desde a exploração da problemática/temática a investigar, à definição das questões orientadoras da investigação, aos métodos e técnicas de investigação, aos critérios de validação e de legitimação do conhecimento produzido.
Ainda segundo Alda Pereira, os paradigmas distinguem-se quanto:
– ao objetivo da investigação,
– à natureza da realidade social,
– à visão sobre o homem e o senso comum,
– à natureza da teoria e da explicação,
– à perspetiva sobre os valores.
Estes pontos de distinção levam à existência de três paradigmas na investigação educacional: positivista, interpretativo e crítico.
O paradigma positivista surge na revolução cientifica do século XVI, estando na sua génese interligado às ciências naturais. Destacou-se com Comte através da sua teoria dos três estados: o homem progrediria de um estado teológico para um estado metafísico e deste para um estado físico final. Já no século XIX inicia a sua influência em outras ciências emergentes, nomeadamente as ciências sociais.
No paradigma positivista, a realidade social é objetiva e impessoal e a subjetividade dos sujeitos não é considerada, assim como o senso comum e os valores, pois o homem é percecionado como um indivíduo racional e neutro. A investigação é conduzida do exterior do objeto. Neste paradigma, o principal objetivo da investigação é aspirar à generalização, ou seja, encontrar leis gerais que possam prever e controlar acontecimentos na sociedade (causa-efeito). Assenta, por isso, em teorias de natureza lógica e dedutiva e recorre à investigação experimental e a métodos quantitativos de recolha de dados. Assume-se, por isso, como uma corrente filosófica que admite que o conhecimento só pode ser atingido através da experiência sensorial.
O paradigma positivista defende que os procedimentos metodológicos da ciência natural podem-se aplicar às ciências sociais e, desta forma, o cientista social observa a realidade social de modo idêntico ao que faz quando observa a natureza. Assume-se como um método de procura de saber que admite que se podem descobrir as causas das coisas e, consequentemente, fazer predições de acontecimentos e comportamentos futuros com base em acontecimentos e comportamentos atuais, podendo ser formuladas leis ou generalizações, ou testar teorias já existentes.
Este paradigma privilegia a explicação dos resultados de uma ação em detrimento do indivíduo que a protagoniza, assim como daquele que a observa e analisa, tal como os valores, os interesses e os princípios latentes na atividade humana e social. A interação entre o investigador e o investigado caracteriza-se por ser uma relação de distanciamento, de superioridade (poder e controlo), assimétrica e objetiva.
Apesar de um paradigma dominante, muitas críticas lhe são apontadas. Citado por Morgado em O Estudo de Caso na Investigação em Educação (2012, p.12), Popkwitz denomina-o de “paradigma empírico-analítico” e considera que “… perde de vista a natureza da razão e da lógica como algo construído e conservado socialmente.” Apresenta, por isso, limitações no estudo do comportamento humano ao encarar os processos sociais como processos mecânicos e tecnológicos e não como processos criativos e artísticos. Neste sentido, Santos considera que este modelo pode “configurar-se como um modelo segregador e totalitário”.
A ansiedade por um conhecimento mais profundo do individuo, nomeadamente das suas ações e dos significados que nelas imprime, fez despoletar já no século XX o aparecimento do paradigma interpretativo, o qual em O Estudo de Caso na Investigação em Educação é definido por Martinez como “um meta-sistema de referência, cujo objetivo é guiar a interpretação das interpretações e a explicação das explicações” (2012, p.17).
O paradigma interpretativo assume como objetivo de investigação a compreensão e a descrição da ação dos indivíduos, os quais encara como agentes sociais ativos na criação da realidade social e de sistemas diferenciados de significados. Para este paradigma, o indivíduo é o objeto de estudo, e, consequentemente, as suas ações e o significado que atribui às mesmas. São privilegiados os métodos de investigação de teor qualitativo, assim como o envolvimento e a proximidade do investigador com o indivíduo em estudo: o investigador assume um envolvimento pessoal e de parcialidade, mas ao mesmo tempo de compreensão empática e de proximidade. Ao ganhar a confiança dos investigados, o investigador tem maiores probabilidades de aceder às suas interpretações. Contudo, pode ficar demasiado implicado e abandonar os mínimos de rigor e objetividade imprescindíveis para o trabalho científico.
O investigador emerge nos contextos a estudar e socorre-se das múltiplas técnicas de recolha de dados existentes na metodologia qualitativa, tornando a investigação mais flexível, privilegiando a análise das linguagens e dos significados atribuídos pelos investigados. Visto que é o investigador que conduz a investigação, analisa e interpreta os resultados obtidos e o destino que lhes é dado, o conhecimento obtido pode ser enviesado.
A sociedade é uma realidade social fluida, subjetiva e simbólica que é apropriada, interpretada e alterada de acordo com os significados que cada um dos seus atores lhe atribui, individualmente e em grupo. Assim, a realidade social vai sendo (re)recriada num ambiente de interações simbólicas “que servem de base à elaboração e manutenção das normas que regem a vida social” (Popkewitz, 2012, p.17). A dimensão das populações estudadas é uma questão crítica, pois podem existir dificuldades em sintetizar os dados(complexidade e tempo). São, por isso, complexas e difíceis de medir as variáveis, permitindo apenas a formulação de hipóteses e de teorias contextualizadas, mas não de generalizações.
Santos (2012, p. 18-19) salienta a importância da emergência de um novo paradigma – o paradigma crítico -, alertando para uma nova vertente da investigação, para além da científica: a vertente social. Este paradigma assume-se como “o paradigma da vida decente”, capaz de mobilizar os meios necessários para promover o bem-estar da sociedade e para restituir ao ser humano a sua liberdade crítica e a possibilidade de participação cívica, meios indispensáveis para se poderem eliminar alguns abusos e certas tendências de determinados poderes totalitários instrumentalizarem a ciência em benefício dos seus interesses particulares”.
Tendo as suas raízes nas tradições intelectuais norte-americanas, o paradigma crítico, nas primeiras décadas do século XX, foi fortalecido com as polémicas geradas pela guerra do Vietname, com a constatação da não eliminação das desigualdades sociais e, principalmente, a partir da década de 80, com Popkewitz, e a incorporação das perspetivas de diversas correntes filosóficas (marxistas e críticas ou tendências próximas do pós-estruturalismo).Como percursores e inspiradores do paradigma crítico podemos encontrar a escola de Frankfurt (Horkheimer e Adorno), o neomarxismo (Apple,1982; Giroux, 1983), a teoria crítica de Habbermans (1984) e os trabalhos de Paulo Freire (1972) e Carr e Kemmis (1983).
Popkewitz (2012, p.42) considera que este paradigma tem um cariz reflexivo, está configurado numa vertente política e está orientado para a mudança social. Este paradigma perceciona os indivíduos como seres criativos, com potencial para realizar mudanças, sendo que a criação de condições para a mudança, nomeadamente a revelação das reais condições da realidade, é uma das características deste paradigma. Os indivíduos, os grupos, a sociedade são os objetos de estudo no paradigma crítico. O investigador é participante ativo da investigação, a qual se carateriza por estar orientada para a ação: não se limita a descrever e a compreender a realidade, mas a intervir e a transformá-la, “orientando o conhecimento para a emancipação e libertação de cada indivíduo. Ele próprio assume as aprendizagens realizadas e as mudanças nele operadas, aumentando a sua compreensão do mundo social. A relação entre investigador e investigado caracteriza-se por ser informal, colaborativa e reflexiva, por existir paridade, partilha, negociação de papéis e estatutos e compromisso (2005, p.230-249).
Com o aparecimento do paradigma crítico, a neutralidade da ciência e da investigação em geral e, em especial, da investigação educacional, é posta em causa dado o caráter emancipatório e transformador que lhe é atribuído.
As suas principais estratégias de investigação são o estudo de caso, as técnicas dialéticas e a investigação-ação. A investigação-ação é considerada a expressão metodológica da perspetiva crítica (2005, p.231) e tem vindo a adaptar-se às várias tendências da investigação educacional e do desenvolvimento social.
Após a exposição dos três paradigmas que orientam a investigação educacional, as suas potencialidades e as suas limitações, verifica-se que o paradigma positivista se alia às metodologias e técnicas quantitativas – objetividade, variáveis mensuráveis e identificáveis, tem como objetivos a generalização, a previsão e a explicação, recorre a instrumentos formais de recolha de dados, os quais são reduzidos a números, é dedutiva -, enquanto que os paradigmas interpretativo e crítico se apoiam nas metodologias e técnicas qualitativas – o investigador é empático e parcial e ele próprio é um instrumento de recolha de dados, as variáveis são subjetivas e complexas, estão interligadas e são difíceis de mensurar, pretende compreender o ponto de vista dos intervenientes através da interpretação e dos significados que estes atribue à realidade com o objetivo de criar uma teoria de forma indutiva, procurando padrões.
Num processo de investigação, o que deve orientar o trabalho cientifico: as preferências do investigador, as estratégias metodológicas, o objeto de estudo, a finalidade da investigação? A título pessoal, as minhas preferências recaem sobre os paradigmas interpretativo e crítico, contudo tenho de reconhecer que esta variável não pode ser aquela que determinará a linha de orientação da minha investigação. Sendo a investigação um processo rigoroso e sistemático, o conhecimento aprofundado das metodologias e das técnicas a utilizar é fundamental para que a escolha feita não inviabilize os dados e os resultados.
Neste sentido autores como Pérez Gómez e Husén (2012, p. 31-32) defendem que o sucesso da investigação cientifica assenta no seguinte pressuposto, com o qual concordo em pleno: é a natureza dos problemas a estudar e a as finalidades da investigação que devem determinar os paradigmas e as metodologias mais adequadas ao processo de investigação.
Concordo igualmente com o que alguns autores, como é caso de Erikson, defendem: o pluralismo metodológico. Também Alvira (2012, p.26) defende que a pluralidade metodológica possibilita “uma visão partilhada” da realidade social, a qual sempre que se apresente como profícua para o trabalho cientifico deve ser implementada. Assim, pode-se concluir que a coexistência e a complementaridade de diferentes contributos teóricos e metodológicos, de diferentes perspetivas e formas de ver a realidade, do cunho pessoal de cada investigador, personalizam e enriquecem o processo de investigação e, consequentemente, o conhecimento.
Fontes:
Costa, Maria Isabel Barros Morais. (2005). Percursos de cientificidade em educação: uma abordagem aos textos normativos. Disponível em http://repositorio.utad.pt/handle/10348/23
Morgado, J. C. (2012). O Estudo de Caso na Investigação em Educação. Santo Tirso, Portugal: De Facto Editores.
Pinheiro, Maria do Rosário. (2007). Paradigmas da Investigação Educacional. Disponível em https://woc.uc.pt/fpce/getFile.do?id=1850&tipo=2